Imediatamente, ele é estranho. Além dos espinhos, geralmente é associado ao que é mais seco, mais rápido e deserto. Mas o cactoapesar desta distância inicial, começa a conquistar o seu espaço nas mesas e nas ementas, sendo mesmo alvo de uma prova do programa Mestre cozinheiro nesta terça-feira, 21. Afinal, pode não parecer, mas o cacto pode ser saboroso e se tornar um bom acompanhamento. Não à toa, já conquistou o selo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) como “alimento do futuro”.
Jucilene Melo Ele já se adiantou e colocou o cacto no cardápio do restaurante Flor de Mandacaru. Embora a palma seja a mais utilizada na culinária, a chef diz que utiliza todos os tipos de cactos encontrados na caatinga, graças ao seu fácil acesso devido à sua localização na Chapada Diamantina. Isso vem de um ensinamento de infância e boas lembranças. “Minha infância foi toda no campo, quando tive meu primeiro contato com as plantas alimentícias não convencionais (PANCs), sem saber que tinham esse nome”, conta ao Palato. “Meu v fazia doce de coroa de frade, de facheiro. Levei isso para a Flor”.
Hoje, a Flor de Mandacaru, em Petrolina, trata o cacto como base. Além do doce corona de frade, da avó de Jucilene, o cardápio também inclui picadinho de dendê, picles de mandacaru, que podem ser servidos doces ou salgados, e, às vezes, moqueca de frutos silvestres. E mesmo que a planta seja comum em alguns lugares, como no México e na própria Chapada Diamantina, ainda há uma forma difícil de espalhá-la. “É um trabalho de formiguinha, uma briga”, diz Jucilene. “Mas já tem gente do Sul que tem curiosidade de experimentar”.
Obviamente, esse movimento de inserção do cacto na dieta não acontece sem razão e, em torno de seu uso na gastronomia, há uma série de benefícios. Em primeiro lugar, por exemplo, estão as instalações de manejo e plantio. “A palma forrageira, por exemplo, chegou aqui para alimentar o gado. muito fácil de plantar, de cultivar”, explica Neide Rigochef, nutricionista e autora do livro Mesa de refeição no semirido. “Eu mesmo tenho palmeiras aqui na minha janela. É um alimento muito fácil de ter por perto, sem complicações”.
O único desafio que requer mais atenção é a preparação. É preciso usar uma faca bem afiada para retirar a casca com os espinhos, sempre com uma luva nas mãos para se proteger de qualquer acidente. Depois, recomenda-se lavar o cacto para garantir que não haja espinhos.
Depois disso, porém, são apenas coisas positivas. Os cactos também são ricos em cálcio e proteínas, ajudando a complementar a dieta. E o melhor: além de todos esses benefícios, é um alimento delicioso. “Cada cacto tem um gosto específico”, explica Jucilene Melo, quando questionada sobre como o cacto chega ao paladar das pessoas. “Alguns têm gosto muito herbáceo, outros têm gosto de mamão verde. Alguns têm um visco, uma baba como o quiabo. Coroa de Frade, por exemplo, lembra mais esse mamo verde, enquanto o mandacaru neutro”.
Ieda de Matos, da Casa de Ieda, em Pinheiros, também adora o cacto. No cardápio, a receita mais comum é o cordo de palma, um simples refogado feito com toucinho de porco e a própria gordura que a mãe do chef, Dona Dalva, chama de graxa. Ela também fez várias receitas, como o “palmuru” – ou seja, um feijão-guandu que usa palma em vez de quiabo. Também fiz pamonha assada com dendê. “Com criatividade, podemos criar receitas simples e sofisticadas”, diz. “Os cactos são condutores de sabor”.
Cactus e o desafio do preconceito
Apesar de todos esses benefícios e dos bons usos feitos na gastronomia, o cacto ainda enfrenta uma barreira: o preconceito. “Muita gente comia cacto na hora da penria, da fome. Portanto, mesmo em regiões como o Nordeste, que tem um costume mais antigo e uma presença mais forte do cacto, ainda há preconceito em usá-lo no dia a dia, na gastronomia. Há medo de colocar essa comida na mesa”, contextualiza Neide Rigo. “Preciso extrapolar, olhar para fora e ver que esse é um alimento como qualquer outro”.
Ieda de Matos, hoje, vê o uso do cacto na cozinha como um ato de resistência, tendo que encontrar formas de fazer a planta “sobreviver”. “Temos dificuldade em encontrar esse ingrediente aqui em São Paulo. Por isso fizemos parceria com restaurantes mexicanos para obter palmito. Nosso papel é difundir esses ingredientes e mostrar seu potencial”, afirma. “Luto para que o uso de cactos não se extinga na nossa cultura alimentar”.
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