“Nasci depois de seis meses em uma família de classe baixa na cidade de Itamaraju, na Bahia. Sempre fui rejeitado pelo meu pai e tratado de forma diferente dos meus dois irmãos. Até hoje lembro das agressões que sofri e de todas as vezes que meu pai batia na minha mãe, que é ex-garota de programa.
Por causa desses episódios de violência, meu tio me pegava na casa dos meus pais todos os dias para ajudar a aliviar o peso. Acabei morando com meus avós aos cinco anos. Aos sete anos, meus pais se mudaram para a Europa na esperança de ter outra vida, mas não foi isso que aconteceu.
Meu pai continuou o mesmo de sempre, e minha mãe acabou virando prostituta, mesmo trabalhando em um café com a promessa de juntar dinheiro para construir uma casa para meus avós.
Quando eles voltaram para o Brasil eu já tinha 15 anos. Vim morar com meu pai em Maringá, Paraná, depois de conversar com ele. Eu pensei que finalmente poderia ter um pai de verdade, mas em pouco tempo ele me colocou em um avião de volta para a casa da minha avó.
Naquela época, minha mãe morava em Cariacica, Espírito Santo, e ainda trabalhava como prostituta. Eu me sentia sozinha a maior parte do tempo, e as únicas coisas que me enchiam eram livros de romance.
Lembro-me de ir à cozinha tentar chamar a atenção da minha avó e ouvir que eu era chato e falar sobre coisas que ela não entendia. Meus 18 anos chegaram, e me disseram que eu não seria ninguém ou que seria igual a minha mãe. Ouvi dizer que acabaria grávida e dona de casa também.
Minha avó me expulsou de casa por não ter um emprego. Até entreguei currículos na cidade, e nada. Eu ia terminar o ensino médio aos 19 anos porque repeti o 7º ano de escola, devido à dificuldade em matemática.
Nesse período, acordei com minha avó jogando talheres, copos e panelas na pia de casa e ouvindo que eu não queria nada da vida, mas na verdade me sentia perdida, desde criança, e sem amor.
Eu estava estudando para o Enem e meu plano era estudar letras na cidade vizinha. Minha avó costumava dizer que eu sonhava demais, e nunca esqueci essas palavras. Ela deixou claro que se eu conseguisse a vaga na Universidade do Estado da Bahia, em Teixeira de Freitas, perto de Itamaraju, ela não pagaria o ônibus porque não tinha condições, e eu teria que me virar .
Saí de casa no dia 6 de setembro de 2016, rumo a Salvador. No bolso, levei R$ 500 que arrecadava vendendo trufas e fazendo trabalhos para alunos do 1º ano do ensino médio. Fiquei na casa de um amigo que conheci no Facebook. Em Salvador, deixei currículos em todos os lugares, mas nunca fui contratado para nada, enquanto meu dinheiro estava acabando, e meu amigo me ajudava como podia. Foi lá que conheci meu ex-marido.
Minha mãe veio me pedir para morar na casa dela. Ela trabalhava das 8h às 18h. Eu ficava em um dos quartos e ouvia os clientes indo e vindo. Minha distração foi dar um passeio de sorvete pela Expedito Garcia, em Campo Grande de Cariacica.
Ela tentou inúmeras vezes me atrair para ser prostituta, mas eu ficava distribuindo currículos e rezando para que, se conseguisse alguma coisa, eu saísse da casa dela, sem ter que me prostituir. Houve uma vez em que um cliente entrou e ela me apresentou a ele, dizendo que deveríamos namorar. Isso me confundiu, especialmente porque ele era uma prostituta.
Até que um dia, um cara com uma arma se passando por cliente, chegou pedindo celulares e todo o dinheiro do serviço. Eu tinha uma aparência infantil, ele logo apontou a arma para mim ameaçando que ela entregasse as coisas.
Nesse período, tive contato com meu ex-marido todos os dias. Eu sempre contei sobre meus dias e falei sobre isso. Ele me pediu para ir a Salvador, que ele me ajudaria. Acredito que por medo, falta e não sabendo que rumo minha vida tomaria, acabei me tornando sua esposa.
Acabei conseguindo um emprego como babá para seus empregadores. Eu ia de Pernambués, bairro de Salvador, para Itapuã, perto do Farol, para ganhar R$ 420. Na época, o salário mínimo era R$ 840. Meu dinheiro era basicamente para fazer compras de supermercado, e eu não tinha mais nada . .
Fiquei assim por um ano, até descobrir que meu ex-marido era gay.sexual e me usou para escondê-lo de sua família.
Quando descobri, estava desempregada de novo porque ele me provocava por causa do meu trabalho.
Sempre procurei trabalho, e nada, até que encontrei uma vaga no OLX e era para ser prostituta. Eu tinha 19 anos e decidi que era isso que eu ia fazer da minha vida.
Ao longo dos anos, desenvolvi ansiedade, lutei contra a depressão e vivi no piloto automático.
Minha vida começou a mudar há dois anos e meio, quando conheci meu melhor amigo e me tornei estudante de relações públicas. Ela me acolheu com amor e está me ajudando no meu desenvolvimento pessoal.
Também estudei espiritismo e isso me ajudou muito. Minha esperança é poder deixar a prostituição.
Outro objetivo é ser mãe através de uma adoção tardia. Também estou juntando o que preciso para trabalhar como lojista. Hoje, sabendo quem sou, consegui melhorar não só meus ganhos, mas também investir. Meu plano é ter seis lojas de roupas em todo o Espírito Santo.
*Marise Cristina, 25 anos, de Itamaraju (BA), é garota de programa
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