Viva encerra neste final de semana a reprise completa da novela O Salvador da Pátriade Lauro César Muniz, que teve início em 12 de abril. Os 186 capítulos produzidos em 1989 e condensados em 87 em Vale a pena ver de novoem 1998 poderia ser avaliada pelos telespectadores de hoje, muitos deles nascidos após a novela, como é comum em relação às atrações do canal pago.
Nos últimos sete meses, o público pôde acompanhar, novamente ou pela primeira vez, a trajetória de Salvador da Silva, ou Sass Mutema (Duarte Lima), como é conhecido por todos do pequeno Tangar, no interior de São Paulo, onde vive e trabalha como lavrador, colhendo laranja, café ou cana-de-açúcar, dependendo da época e do empregador.
Analfabeto e não muito jovem, Sass levava uma vida boba, muito simples, até conhecer a professora Clotilde (Mait Proena), que foi para a cidade ensinar diaristas analfabetos como ele, e se envolver em uma trama do político Severo Toledo Branco. (Francisco Cuoco) e sua esposa Gilda (Susana Vieira).
Para encobrir o caso extraconjugal do candidato a deputado com a jovem Marlene (Tssia Camargo), Sass o convenceu a se casar com a moça, em troca de uma vida melhor e menos sacrificada e o que o leva a aceitar a proposta: ter para si o professor, por quem se apaixonou perdidamente.
O fascínio de Sass por Clotilde, uma quase devoção misturada com amor e desejo, provou ser suficiente para que a bela moça da cidade grande, que fugia de um passado triste, fosse aos poucos mobilizada por um grande sentimento pela simples colhedora de laranjas.
Um radialista sem escrúpulos chamado Juca Pirama (Luís Gustavo) torna-se uma pedra no sapato não só de Severo, seu principal alvo por causa do caso com Marlene, mas também de outras figuras importantes como Marina Sintra (Betty Faria), agricultora viva, líder da esquerda. Sua morte em uma cena arranjada para forjar adultério suficiente para fazer de Sass um herói que liberta Tangar de um mau humor hipócrita.
O fato de ser visto como o assassino de Juca Pirama, um malandro, e de Marlene, uma esposa infiel, ajuda Sass a ser eleito prefeito da cidade, em uma ascensão rápida e intensa que arregalou os olhos dos chefes políticos. Todos disputam o privilégio de estarem ligados à boia-fria que trabalhou e capitalizar essa ligação.
Enquanto isso, a vida política de Clotilde e os problemas com o marido Ricardo (Gracindo Júnior), a gravidez da menina e a inserção de Sass em um processo severo quase afastam o casal de forma definitiva e definitiva. Por sua vez, outro personagem muito importante, Joo Mattos (Jos Wilker), namorado de Marina, vê sua vida cada vez mais enredada por uma organização internacional de tráfico de drogas.
Piloto de avião e irmão de Juca, ele passa algum tempo na prisão após ser envolvido por seu irmão em suas operações. Com a fuga da prisão e a morte do radialista, ele assume os negócios de Juca no rádio e continua sendo visto como parte fundamental do tráfico de drogas, e tem que esperar o momento certo para sair sem correr o risco de vida de quem ama Marina, a ex-mulher ngela (Lucinha Lins) e a jovem filha Regina (Natlia Lage).
Por mais que tenha sido marcada por uma das novelas mais famosas da teledramaturgia, a de Sass e Clotilde, embalada por Oswaldo Montenegro com sua Lua e Flor -, que se transformam com a intensidade e até o inusitado desse amor, O Salvador da Pátria Já expressava grandes preocupações políticas em seu título, naquele ano de 1989, que marcou o retorno das eleições presidenciais diretas no Brasil após quase 30 anos.
A partir da ascensão social e política de Sass Mutema, Lauro Csar Muniz e Alcides Nogueira, que colaboraram no texto, traçaram um retrato do próspero interior do Brasil, com muito dinheiro em ambientes onde predomina o bom e velho coronelismo, ainda que disfarçado de sociedade. moderno e transformado. E que mais de três décadas depois que o romance foi escrito e veiculado, ainda é identificável em sua trama de estratégias para manter o poder.
É verdade que não foi uma tarefa fácil escrever o romance. Lauro César teve que desistir de sua intenção de fazer Sass Mutema presidente da Repblica no final da história, para realmente salvar a pátria. No entanto, as articulações de figuras políticas com os envolvidos na organização, a revelação gradual de que personagens acima de qualquer suspeita também estavam entre os bandidos e o poderoso Sass que enfrenta o tráfico no final mostram o esforço para não deixar o projeto desmoronar.
As atuações de Susana Vieira e Francisco Cuoco merecem destaque, num elenco de estrelas, o casal que reuniu dinheiro, poder, influência, aparências e a instituição da família com tanta intensidade que não conseguiram se separar, mesmo que parte a novela foi desfeita; Betty Faria no difícil papel da mulher que se fechou ao amor em nome dos ideais políticos e que se viu cercada por um misterioso forasteiro (um José Wilker não menos digno de menção).
Mário Lago como o senil Seu Quinzote, proprietário rural de passado glorioso e presente melancólico; Thales Pan Chacon no papel de Cssio Marins, o advogado que sempre teve razão em não acreditar na culpa de Sass pelos crimes de morte dos quais foi acusado; a presença marcante de Lcia Verssimo como a sedutora e astuta Brbara, que afinal é a líder dos bandidos; e as decisivas obras de Tssia Camargo e Lus Gustavo nos primeiros 15 capítulos, que marcam toda a narrativa.
Claro que não podemos deixar de lembrar Lima Duarte, que consagrou seu Sass Mutema como um dos personagens mais marcantes de nossas novelas. A trajetória dessa boia-fria do nada ao entendimento, tal como definida pelo próprio ator, brilha na interpretação precisa de um ator que tem em si a essência do homem brasileiro.
E o autor não deixa passar em branco um novo significado para o título de sua história no capítulo final, pela boca do protagonista. Quando apresentado por Seu Quinzote como O Salvador da PátriaSass não é implorado: No! Salvador da Pátria não! Quem salva a Pátria o povo! Um povo que se preze, que tem sua dignidade, não precisa de salvadores! Quem salva a Pátria o povo!.
Possivelmente, O Salvador da Pátria deve estar entre as próximas entradas do Globoplay em seu catálogo, como parte integrante do projeto de resgate de clássicos da TV Globo e como outras novelas exibidas recentemente pelo mesmo Viva, como A viagem (1994) e Sassaricando (1987/88) que, assim que terminaram na televisão, já estavam disponíveis em streaming. Que este reencontro com Sass Mutema e sua história nos ajude a refletir sobre o Brasil.
*As informações e opiniões expressas nesta revisão são de responsabilidade exclusiva do autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.
Discussão sobre isso post