“Homens, se vocês vão bater em suas esposas, pelo menos cubram seu pau quando forem foder alguém. Estou cansada de dar diagnóstico de HIV a uma jovem, grávida, casada há anos e que é fiel ao marido. Se você f… com a vida de outra pessoa, f… só com a sua, irmão.
Sou infectologista em Santarém, no Pará, e publiquei esse desabafo, que viralizou no Twitter. Trabalho no Centro de Tratamento e Acolhimento (CTA) da cidade e a cada dia temos novos casos de HIV.
No dia desse desabafo nas redes sociais, vi uma grávida, acho que com sete ou oito semanas. Ela era sua primeira filha e estava acompanhada por sua mãe, uma senhora de quase 70 anos.
Eu vi essa mulher muito angustiada na clínica. Como era a primeira consulta dela, sempre tentamos ser o mais atenciosos possível. Perguntamos a ela como ela está, como ela acredita que tem o vírus, para quem ela vai contar e assim por diante. Durante a conversa, descobri que ela era professora, na casa dos 30 anos, casada há cinco anos e que nunca havia tido um relacionamento extraconjugal.
Ela descobriu o HIV naquele dia. Ela havia ido ao posto de saúde para iniciar o pré-natal e, com teste rápido positivo, foi encaminhada ao centro de referência para confirmar. Repetimos o teste e confirmamos. Ela ainda não tinha chegado em casa para falar com o marido.
Me formei há seis anos na Universidade do Estado do Pará (UEPA) e, desde que me formei, tive a oportunidade de trabalhar com pessoas vivendo com HIV, antes como generalista, e há quase dois anos como especialista. Durante este tempo histórias como esta se repetem e me revoltam.
Infelizmente, é um tipo de diagnóstico que ainda acontece muito: o da mulher que está há muito tempo com o homem que mantém relações extraconjugais desprotegidas.
Existem padrões de descoberta de infecção. A de quem descobre quando o marido já está muito doente, na fase da AIDS, e que muitas vezes ele morre. E aqueles que testam positivo no período pré-natal da gravidez. Poucas descobrem por meio de exames de rotina, o que desperta o alarme de como estamos atuando como profissionais de saúde na Atenção Básica ou nos consultórios de Ginecologia, para essas mulheres.
O principal representante do atual governo culpa quem se infecta e atribui a epidemia de HIV no Brasil a quem tem “comportamentos sexuais diferenciados”. Trata nossos pacientes como uma despesa do SUS (Sistema Único de Saúde) e tira completamente o foco dos investimentos em prevenção e campanhas de conscientização. Enquanto isso, “pais de família” infectam suas esposas com base no falso moralismo que prevalece em nossa sociedade.
Estamos em 2021 e ainda há pessoas que acreditam fortemente no mito de que não podem sentar no mesmo lugar, usar o mesmo banheiro ou dividir talheres com uma pessoa vivendo com HIV.
Estamos falhando como seres humanos ao não lutar contra isso, estamos falhando como profissionais de saúde ao não diagnosticar e orientar sobre isso, estamos falhando ao não lutar pela educação sexual obrigatório nas escolas, o que seria muito mais válido para nós do que perseverar na cultura de manter sᕮxo como tabu na sociedade.
‘Um povo acaba se estabelecendo em nenhum lugar’
É impossível não se colocar no lugar dessas mulheres diagnosticadas. Eu vi uma menina de 17 anos morrer após três meses de internação por meningite fúngica e complicações da AIDS. Como ela foi infectada? Sendo abusada pelo próprio vizinho desde os 10 anos de idade.
Aquela garota poderia ter sido eu, minha filha, minha amiga. Está mais perto do que pensamos porque o HIV não tem rosto, não tem rosto e não está escrito na testa de ninguém.
Eu realmente quero trabalhar com isso, especialmente em uma linha de pesquisa sobre HIV em mulheres cis e trans. A ciência sobre esse assunto ainda é voltada mais para o público masculino e os estudos sobre as mulheres ainda são escassos. É absurdo que, por exemplo, tenhamos que adaptar os métodos de prevenção masculinos quando se trata de sᕮxo entre as mulheres; que estamos condenados a ser uma sombra e estar à margem do que se destina aos homens.
Meu trabalho atualmente tem sido tentar obter informações de forma que eu possa alcançar o maior número de pessoas possível, através das redes sociais. Com essa interação, consigo visualizar as demandas dessas mulheres. Conversamos, trocamos experiências, às vezes nos aproximamos. Eles me fazem querer seguir em frente, estudar mais e, um dia, poder fazer mais do que fiz até agora.
É controverso, doloroso e ruim de dizer, mas digo às minhas pacientes para não confiar em ninguém. Cuide-se, previna-se, faça exames de teste rápido para HIV, hepatites virais e sífilis pelo menos a cada seis meses. Prioritizar. Estamos nessa luta juntos”. Eduarda Prestes, 30 anos, médica infectologista.
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