Consciência Cristã convidou o pastor evangélico Douglas Wilson, conhecido por seu apoio à escravidão, para palestrar na Paraíba.
OS ORGANIZADORES do mais importante congresso do campo evangélico calvinista, o Christian Consciousness, vangloriaram-se de trazer ao Brasil este ano um ferrenho defensor da ideia de que a Bíblia autoriza a escravidão: o pastor norte-americano Douglas Wilson. Líder da cada vez mais influente Igreja de Cristo, ele escreveu dois livros que buscam desestigmatizar o sistema escravista no sul dos Estados Unidos.
A tradição calvinista é uma linha do segmento evangélico guiada pelos ensinamentos de João Calvino, um dos nomes mais importantes da Reforma Protestante. Disputado por teólogos de diferentes tendências, Calvino refletiu teologicamente sobre o Estado e a política, o governo e a sociedade.
A Consciência Cristã acontecerá em Campina Grande, na Paraíba, no próximo mês, pois acontecerá no período do carnaval. O evento é organizado pela Visão Nacional pela Consciência Cristã, associação conservadora liderada por diversas igrejas evangélicas.
No congresso, costumam estar presentes os maiores nomes da direita evangélica calvinista, como os pastores Augusto Nicodemos, considerado uma espécie de papa entre os presbiterianos conservadores, e Franklin Ferreira, com posições mais agressivas contra o campo progressista e os teólogos liberais.
Embora existam muitos oradores considerados moderados e não alinhados com o fundamentalismo, não se espera do congresso nada próximo de uma teologia progressista, defensora dos direitos humanos ou do diálogo inter-religioso. Com a chegada de Douglas Wilson, porém, o Congresso ultrapassou uma linha inaceitável, a de defender abertamente a naturalização da escravidão.
Wilson é um dos teólogos fundamentalistas mais reconhecidos da atualidade e tem grande influência entre os conservadores reformados brasileiros. É também um dos principais nomes do nacionalismo cristão, fenômeno considerado por muitos especialistas como a maior ameaça à democracia nos Estados Unidos atualmente, especialmente após a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2022.
O convite feito a Wilson, portanto, levanta muitas questões a serem consideradas no contexto brasileiro, algumas das quais explicarei para vocês neste texto.
A escravidão teria funcionado se seguisse os princípios bíblicos, argumenta Wilson
Na década de 1960, como reação contra o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, uma nova geração de teólogos ultraconservadores retomou e atualizou o pensamento do pastor calvinista Robert L. Dabney, capelão de um general confederado durante a Guerra Civil.
Dabney via os negros como uma raça moralmente inferior, uma mancha sórdida e estranha marcada pela mentira, roubo, embriaguez, preguiça, desperdício. Nas suas palavras, uma diferença racial intransponível, feita por Deus e não pelo homem, torna claramente impossível para um homem negro ensinar e governar cristãos brancos.
Entre os teólogos que recuperaram seu pensamento está Rousas Rushdoony, que publicou Institutes of Biblical Law em 1973, livro que lançou as bases para a fundação teológica de uma sociedade reconstruída segundo o Antigo Testamento, com classes com direitos diversos. Nele, Rushdoony se opôs ao casamento inter-racial e atacou o igualitarismo.
Douglas Wilson faz parte da geração de teólogos conservadores que imediatamente seguiu este movimento e um dos mais ferrenhos defensores públicos da justificação bíblica da escravidão.
Ele trabalhou pelo revisionismo histórico sobre o legado positivo da escravidão e defende a opinião de que se o sistema escravista do Sul tivesse sido fiel aos princípios bíblicos, teria funcionado harmoniosamente ou teria desaparecido pacificamente ao longo do tempo.
Wilson chega a dizer que a vitória dos abolicionistas impediu, por exemplo, que africanos escravizados fossem para lugares como o estado da Virgínia, onde ele acreditava haver melhores condições para encontrar mestres piedosos. Como resultado, nas suas palavras, foram levados para lugares como o Haiti e o Brasil, onde o tratamento dispensado aos escravos era simplesmente horrível.
Apesar de toda a densidade de documentos, dados e relatórios sobre o período da escravidão, Wilson insiste na ideia de que os escravizados tinham uma alimentação superior à do cidadão americano médio hoje.
Além disso, segundo Wilson, seguindo o entendimento do pastor confederado Dabney, os maus-tratos sofridos por alguns escravizados, como chicotadas, estupros, chicotadas, enforcamento e outros tipos de humilhações e torturas, eram raros e pouco frequentes.
Apoiador incondicional de Donald Trump, Wilson apoiou o discurso do então presidente americano sobre o confronto entre neonazistas e manifestantes antirracistas em Charlottesville, Virgínia, em 2017.
Grupos de supremacistas brancos realizaram uma marcha do orgulho confederado, convocada pelo presidente da neoconfederada Liga do Sul de extrema direita, Michael Hill, no seguinte tweet: Se você quer defender a civilização do Sul e do Ocidente dos judeus e seus aliados de pele escura, estarão em Charlottesville no dia 12 de agosto.
Trump recusou-se a desaprovar a marcha supremacista branca e afirmou que havia culpa de ambos os lados, sendo fortemente criticado. Wilson publicou então a carta em elogio ao nosso presidente, defendendo Trump e afirmando categoricamente: Eu equiparo o Black Lives Matter à Ku Klux Klan.
O nacionalismo cristão ameaça a democracia nos EUA e aqui
Além de defender a escravidão, Douglas Wilson também se identifica abertamente com o nacionalismo cristão nos Estados Unidos. A ideia de uma cooptação total da ordem social por um cristianismo fundamentalista que deve guiar a sociedade política, moral, religiosa e culturalmente tornou-se um risco político antidemocrático crescente.
Esta ideologia de extrema-direita utiliza a gramática religiosa para justificar a sua visão do mundo e o seu projecto de poder; uma mistura explosiva de radicalismo cristão com novos movimentos de supremacia branca e nostalgia do Sul Confederado escravista.
Teve um marco na eleição de Donald Trump e está diretamente ligado ao ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2022 e também mostrou sua cara brasileira no ataque às sedes dos três poderes em Brasília em 8 de janeiro de 2023.
Mas, de acordo com Wilson publicado no Twitter, o nacionalismo cristão é uma resposta cristã, baseada na Bíblia, à loucura dos nossos tempos. Portanto, os cristãos devem desejar que as escolhas morais da sociedade a que pertencem sejam baseadas na vontade do Deus verdadeiro, e não na vontade dos ídolos.
Não há espaço para qualquer ilusão ou visão de um evangelho genuíno aqui. Deus verdadeiro é o eufemismo escolhido para um projeto político que não aceita nenhuma outra orientação ideológica, mesmo cristã, norteando a sociedade.
Nenhuma outra religiosidade deve participar na construção e estruturação de valores morais e culturais. Nesta guerra, portanto, os ídolos são todos os outros, incluindo a própria democracia.
Extrema direita evangélica brasileira dobra aposta
A escolha de Douglas Wilson para ser o principal orador da Consciência Cristã não foi recebida com comemoração por todos. Mesmo entre os evangélicos conservadores dos Estados Unidos, ele não é unânime e é até considerado um líder polêmico.
A questão permanece, então: por que a Consciência Cristã escolhe esta figura como convidada neste momento político tenso tanto aqui como nos Estados Unidos?
Aí, Trump ganha força enquanto a extrema-direita evangélica se convence de que ele é o ideal para guiar o país na guerra cultural contra a esquerda e os movimentos antirracistas. Aqui, com a chegada de Wilson, a nossa direita religiosa mostra que está em perfeita sincronia com a americana.
Consciência Cristã convidou o pastor evangélico Douglas Wilson, conhecido por seu apoio à escravidão, para palestrar na Paraíba.
OS ORGANIZADORES do mais importante congresso do campo evangélico calvinista, o Christian Consciousness, vangloriaram-se de trazer ao Brasil este ano um ferrenho defensor da ideia de que a Bíblia autoriza a escravidão: o pastor norte-americano Douglas Wilson. Líder da cada vez mais influente Igreja de Cristo, ele escreveu dois livros que buscam desestigmatizar o sistema escravista no sul dos Estados Unidos.
A tradição calvinista é uma linha do segmento evangélico guiada pelos ensinamentos de João Calvino, um dos nomes mais importantes da Reforma Protestante. Disputado por teólogos de diferentes tendências, Calvino refletiu teologicamente sobre o Estado e a política, o governo e a sociedade.
A Consciência Cristã acontecerá em Campina Grande, na Paraíba, no próximo mês, pois acontecerá no período do carnaval. O evento é organizado pela Visão Nacional pela Consciência Cristã, associação conservadora liderada por diversas igrejas evangélicas.
No congresso, costumam estar presentes os maiores nomes da direita evangélica calvinista, como os pastores Augusto Nicodemos, considerado uma espécie de papa entre os presbiterianos conservadores, e Franklin Ferreira, com posições mais agressivas contra o campo progressista e os teólogos liberais.
Embora existam muitos oradores considerados moderados e não alinhados com o fundamentalismo, não se espera do congresso nada próximo de uma teologia progressista, defensora dos direitos humanos ou do diálogo inter-religioso. Com a chegada de Douglas Wilson, porém, o Congresso ultrapassou uma linha inaceitável, a de defender abertamente a naturalização da escravidão.
Wilson é um dos teólogos fundamentalistas mais reconhecidos da atualidade e tem grande influência entre os conservadores reformados brasileiros. É também um dos principais nomes do nacionalismo cristão, fenômeno considerado por muitos especialistas como a maior ameaça à democracia nos Estados Unidos atualmente, especialmente após a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2022.
O convite feito a Wilson, portanto, levanta muitas questões a serem consideradas no contexto brasileiro, algumas das quais explicarei para vocês neste texto.
A escravidão teria funcionado se seguisse os princípios bíblicos, argumenta Wilson
Na década de 1960, como reação contra o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, uma nova geração de teólogos ultraconservadores retomou e atualizou o pensamento do pastor calvinista Robert L. Dabney, capelão de um general confederado durante a Guerra Civil.
Dabney via os negros como uma raça moralmente inferior, uma mancha sórdida e estranha marcada pela mentira, roubo, embriaguez, preguiça, desperdício. Nas suas palavras, uma diferença racial intransponível, feita por Deus e não pelo homem, torna claramente impossível para um homem negro ensinar e governar cristãos brancos.
Entre os teólogos que recuperaram seu pensamento está Rousas Rushdoony, que publicou Institutes of Biblical Law em 1973, livro que lançou as bases para a fundação teológica de uma sociedade reconstruída segundo o Antigo Testamento, com classes com direitos diversos. Nele, Rushdoony se opôs ao casamento inter-racial e atacou o igualitarismo.
Douglas Wilson faz parte da geração de teólogos conservadores que imediatamente seguiu este movimento e um dos mais ferrenhos defensores públicos da justificação bíblica da escravidão.
Ele trabalhou pelo revisionismo histórico sobre o legado positivo da escravidão e defende a opinião de que se o sistema escravista do Sul tivesse sido fiel aos princípios bíblicos, teria funcionado harmoniosamente ou teria desaparecido pacificamente ao longo do tempo.
Wilson chega a dizer que a vitória dos abolicionistas impediu, por exemplo, que africanos escravizados fossem para lugares como o estado da Virgínia, onde ele acreditava haver melhores condições para encontrar mestres piedosos. Como resultado, nas suas palavras, foram levados para lugares como o Haiti e o Brasil, onde o tratamento dispensado aos escravos era simplesmente horrível.
Apesar de toda a densidade de documentos, dados e relatórios sobre o período da escravidão, Wilson insiste na ideia de que os escravizados tinham uma alimentação superior à do cidadão americano médio hoje.
Além disso, segundo Wilson, seguindo o entendimento do pastor confederado Dabney, os maus-tratos sofridos por alguns escravizados, como chicotadas, estupros, chicotadas, enforcamento e outros tipos de humilhações e torturas, eram raros e pouco frequentes.
Apoiador incondicional de Donald Trump, Wilson apoiou o discurso do então presidente americano sobre o confronto entre neonazistas e manifestantes antirracistas em Charlottesville, Virgínia, em 2017.
Grupos de supremacistas brancos realizaram uma marcha do orgulho confederado, convocada pelo presidente da neoconfederada Liga do Sul de extrema direita, Michael Hill, no seguinte tweet: Se você quer defender a civilização do Sul e do Ocidente dos judeus e seus aliados de pele escura, estarão em Charlottesville no dia 12 de agosto.
Trump recusou-se a desaprovar a marcha supremacista branca e afirmou que havia culpa de ambos os lados, sendo fortemente criticado. Wilson publicou então a carta em elogio ao nosso presidente, defendendo Trump e afirmando categoricamente: Eu equiparo o Black Lives Matter à Ku Klux Klan.
O nacionalismo cristão ameaça a democracia nos EUA e aqui
Além de defender a escravidão, Douglas Wilson também se identifica abertamente com o nacionalismo cristão nos Estados Unidos. A ideia de uma cooptação total da ordem social por um cristianismo fundamentalista que deve guiar a sociedade política, moral, religiosa e culturalmente tornou-se um risco político antidemocrático crescente.
Esta ideologia de extrema-direita utiliza a gramática religiosa para justificar a sua visão do mundo e o seu projecto de poder; uma mistura explosiva de radicalismo cristão com novos movimentos de supremacia branca e nostalgia do Sul Confederado escravista.
Teve um marco na eleição de Donald Trump e está diretamente ligado ao ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2022 e também mostrou sua cara brasileira no ataque às sedes dos três poderes em Brasília em 8 de janeiro de 2023.
Mas, de acordo com Wilson publicado no Twitter, o nacionalismo cristão é uma resposta cristã, baseada na Bíblia, à loucura dos nossos tempos. Portanto, os cristãos devem desejar que as escolhas morais da sociedade a que pertencem sejam baseadas na vontade do Deus verdadeiro, e não na vontade dos ídolos.
Não há espaço para qualquer ilusão ou visão de um evangelho genuíno aqui. Deus verdadeiro é o eufemismo escolhido para um projeto político que não aceita nenhuma outra orientação ideológica, mesmo cristã, norteando a sociedade.
Nenhuma outra religiosidade deve participar na construção e estruturação de valores morais e culturais. Nesta guerra, portanto, os ídolos são todos os outros, incluindo a própria democracia.
Extrema direita evangélica brasileira dobra aposta
A escolha de Douglas Wilson para ser o principal orador da Consciência Cristã não foi recebida com comemoração por todos. Mesmo entre os evangélicos conservadores dos Estados Unidos, ele não é unânime e é até considerado um líder polêmico.
A questão permanece, então: por que a Consciência Cristã escolhe esta figura como convidada neste momento político tenso tanto aqui como nos Estados Unidos?
Aí, Trump ganha força enquanto a extrema-direita evangélica se convence de que ele é o ideal para guiar o país na guerra cultural contra a esquerda e os movimentos antirracistas. Aqui, com a chegada de Wilson, a nossa direita religiosa mostra que está em perfeita sincronia com a americana.
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