Em busca da liberdade de ser exatamente quem sou, a liberdade de estar fora de padrões que nunca fizeram sentido para mim, enfrentei muitas transições ao longo da minha história.
Uma delas acabou mudando todo o rumo da minha vida: a transição para os cabelos grisalhos.
Em 2016, criei um grupo no Facebook para reunir mulheres com esse propósito. Hoje somos mais de 125.000 mulheres nesta maravilhosa rede de apoio chamada Grisalhas Assumidas e em Transio.
AINDA MUITO JOVEM, COMECEI A BUSCA DO CABELO PERFEITO E SOFRI CONSEQUÊNCIAS, INCLUINDO UM CORTE QUÍMICO
Sempre gostei de mudar o cabelo. Desde muito nova já coloria.
Fiz permanente, alisamento, sofri um corte químico quando resolvi mudar de preto para loiro de uma só vez (com o alisamento, os fios ficaram elásticos e quebraram perto da raiz).
Tive que encurtar. Foi frustrante!
Fiz tudo isso na tentativa de me encaixar em um perfil comercial que dizia que loiras heterossexuais eram mais bonitas e descoladas. Ele tinha 16 anos na época.
Cabelos castanhos, ondulados e muito volumosos como o meu, não chamavam atenção. Muito pelo contrário: muitas vezes eu era alvo de piadas na escola.
Então, iniciei uma dolorosa jornada em busca do cabelo perfeito, que me fizesse ser aceita e querida por todos. Pelo menos era o que eu acreditava
AOS 18, OS PRIMEIROS CABELOS BRANCOS COMEÇARAM NA MINHA CABEÇA. ENTÃO COMECEI A PINTAR O CABELO A CADA DEZ DIAS
Minha mãe sempre dizia que eu tinha que parar de fazer essas mudanças no meu cabelo, porque quando começassem a ficar brancos, aí eu teria essa obrigação.
Então, aos 45 anos, ela ostentava cabelos grisalhos no auge da década de 1990. E eu tinha vergonha do cabelo dela, porque as mães das minhas amigas tinham cabelos impecavelmente coloridos.
O drama aumentou por volta do meu aniversário de 18 anos, quando os primeiros cabelos grisalhos começaram.
Quem diz que cabelo branco é sinal de velhice não conhece o poder da genética. Meus pais tinham cabelos grisalhos desde muito cedo e eu segui o mesmo caminho.
Cheguei ao ponto em que tive que pintar meu cabelo a cada dez dias ou mais. Eu tenho muito cinza na frente, então depois de apenas alguns dias de retoque ele apareceria novamente.
VIREI NOITES TININDO O CABELO PARA ESTAR PRESENTE NA EMPRESA ONDE TRABALHEI
Aos 32 anos, experimentei o auge do desespero em colorir.
Trabalhei em uma multinacional onde a aparência era muito importante e eu precisava estar apresentável para meus colegas clientes.
Lembro-me muitas vezes de receber um e-mail no final do dia indicando uma reunião surpresa na sede no início do dia seguinte.
Eu saía do escritório, passava na farmácia e esperava meu marido chegar em casa para me ajudar a pintar o cabelo.
Perdi as contas de quantas noites fiquei acordada pintando o cabelo e escovando para que no dia seguinte eu me encaixasse no protocolo de aparências que a sociedade nos impõe.
Essa rotina era detestável! Eu não sabia mais como meu cabelo era texturizado ou quanto cabelo grisalho eu tinha.
A certa altura, já não me reconhecia no espelho, com aquela progressiva e aquela cor que já estava super enjoada.
DEPOIS DE USAR A GRAVIDEZ COMO DESCULPA PARA NÃO TINTAR MAIS, COM TRÊS MESES DE RAIZ CINZENTA, O DESESPERO FOI
Foi aí que comecei a pensar na possibilidade de parar com tudo isso. Afinal, há muito tempo essa rotina não era para mim, era apenas por causa do que os outros pensariam de mim.
Na época, eu e meu marido estávamos pensando em expandir nossa família e encontrei a desculpa perfeita para parar de colocar tanta química no meu cabelo.
Quando alguém perguntasse, eu teria a muleta de estar grávida para justificar minha escolha.
Fiz luzes para tentar disfarçar a transição (em vão) e engravidei. E então, depois de três meses de cabelos grisalhos, o desespero me atingiu.
AO CRIAR UM GRUPO NO FACEBOOK SOBRE TRANSIÇÃO PARA CABELOS CINZENTOS, VI QUE NÃO ESTAVA SOZINHO
Em 2016, quase ninguém usava cabelos grisalhos. Não havia referências.
Então, em dezembro daquele ano, criei um grupo no Facebook chamado Grisalhas Assumidas e em Transio para me conectar com mulheres que também estavam vivenciando esse momento.
Os grupos de apoio são extremamente importantes, pois é neles que encontramos forças para continuar.
Antes, eu achava que era a única mulher de 36 anos disposta a enfrentar o cinza. Eu estava errado.
Mulheres de todo o mundo começaram a fazer parte desse grupo. Com um dando lugar ao outro, fomos superando o medo de parecer velho, de ter vergonha dos cabelos grisalhos, da chegada da maturidade e das marcas que ela traz em nossos corpos.
Entretanto, nasceu a minha Maria Luza. Foram longos cinco meses na UTI Neonatal e depois uma internação domiciliar.
O grupo foi tão importante naquele momento da minha vida! Foi lá que me desliguei das dores dessa maternidade atípica.
Eu estava tão focada em cuidar da minha filha que nem vi minha transição acontecer. Quando percebi, sete meses haviam se passado e eu precisava voltar ao meu trabalho na multinacional.
NA DEVOLUÇÃO DA LICENÇA DE MATERNIDADE, CHAMARAM A MINHA ATENÇÃO NO TRABALHO POR TER CABELO EXPOSTO POR MOTIVOS
Na minha volta, meu empresário me ligou para conversar e me disse que confiava no meu trabalho, mas aquele cabelo branco não ficava bem na minha imagem.
Eu disse que não pintaria novamente. Meu cabelo estava cerca de 20 centímetros grisalho e cerca de 15 centímetros ainda colorido. Era muito feio, eu sabia.
Naquele dia, parei em um salão perto da minha casa e pedi para cortar a parte do meu cabelo que ainda estava tingida e, para minha surpresa, apareceu ali um cabelo grisalho maravilhoso.
No dia seguinte, o mesmo empresário veio me elogiar, dizendo que meu cabelo estava lindo.
O que choca as pessoas para transição e não os cabelos grisalhos! A fase de transformação é realmente difícil. As pessoas julgavam, criticavam.
A TRANSIÇÃO FOI A FASE MAIS DIFÍCIL, MAS DEPOIS QUE PASSOU, ME SINTO BEM COM OS CABELOS COMPLETAMENTE BRANCOS
Minha transição levou um ano e dois meses para ser concluída.
muito difícil manter a auto-estima quando todos dizem que parecemos velhos, desleixados
Muitas mulheres desistem nesse momento e o grupo entra em ação, para apoiá-las e acolhê-las.
Hoje, olho minhas fotos de antes da transição e não reconheço aquela Daniela, parece que não sou eu. Aceitar minha imagem, minhas marcas, meus cabelos grisalhos me trouxe uma sensação de liberdade indescritível.
Eu me sinto ótima aos 43 anos, até grisalha, acima do peso, com estrias, celulite e tudo mais que todas nós mulheres temos e somos obrigadas a esconder porque o comercial da TV diz que é inapropriado.
ESTAMOS ABRINDO OS OLHOS DA INDÚSTRIA DA BELEZA PARA AS NECESSIDADES ESPECÍFICAS DAS MULHERES CINZENTAS
No meio de todo esse processo, descobri também que a indústria ainda não enxerga esse nicho.
Pesquisando no grupo o que as mulheres esperavam de produtos para cuidar dos cabelos, descobri que elas sentiam falta de um tonalizante adequado para cabelos grisalhos.
Com base no feedback deles e muita pesquisa, fiz parceria com a DKA Cosméticos, que criou uma linha específica para atender essa demanda de cabelos grisalhos. Desenvolvemos a identidade visual e autorizei o uso da marca Grisalhas Assumidas e em Transio, que está em processo de registro em meu nome.
O kit é vendido através do site da DKA e todo o processo de emissão de notas fiscais e logística é de sua responsabilidade (recebo uma parte das vendas). No site da Grisalhas, também há um link que direciona você para a compra dos produtos.
COMECEI ESSE MOVIMENTO PELA MINHA FILHA E CONTINUAREI LEVANDO A IDEIA PARA AJUDAR OUTRAS MULHERES
Meu sonho sempre foi que minha Maria Luza não precisasse ser escrava de procedimentos estéticos para ser aceita. Que ela pode tomar decisões sobre seu corpo apenas por sua própria vontade.
Infelizmente, com minha Malu, não poderei ver isso acontecer: ela partiu na véspera de seu aniversário de 5 anos
Foi através da Malu que comecei essa jornada. E para sua memória, continuarei apoiando e acolhendo essas mulheres.
Nesses cinco anos, acompanhei a transição de muitas mulheres. Vi verdadeiras transformações em suas vidas. Eles se libertaram dos padres, tornaram-se muito mais empoderados e autoconfiantes
A beleza não está na cor do cabelo ou na circunferência da cintura. A beleza vem de dentro.
Surge quando nos olhamos no espelho com amor e gratidão. Quando aceitamos que o mais importante não é se encaixar dentro de medidas pré-estabelecidas, mas sim o brilho nos olhos que aparece quando estamos felizes!
Daniela De Bonis Coutinho, 43 anos, casada, mãe de Maria Luza e Rodrigo. criadora de Conteúdo Digital e Community Manager do Grisalhas Assumidas e em Transio, grupo que reúne mulheres de todo o mundo para apoiá-las na transição para os cabelos grisalhos, combatendo preconceitos e acolhendo as dores e delícias da maturidade.
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