Três horas foi o tempo que a pequena Vitória Costa de Jesus, de apenas 1 ano, ficou na sala de cirurgia para amputar parte do pé e retirar três dedos da estrutura afetada pelo ‘pé duplicado’. Segundo o cirurgião responsável pelo procedimento, Miguel Aprelino Alito, esta é a primeira vez que a cirurgia é realizada no Brasil. O bebê foi operado nesta quarta-feira (4), no Hospital Estadual Santa Casa, em Cuiabá.
Segundo o cirurgião, existe a possibilidade de Vitória ser a única no mundo com essa condição, já que a área científica da ortopedia só tem conhecimento de 118 casos mundiais de pé-espelho, mas nenhum deles está associado ao pé torto congênito, como é o caso do bebê.
Ao g1, Alito explicou que, além da duplicação, Vitória também apresentava uma deformidade congênita no mesmo pé. Para tratar o pé torto congênito, o bebê usou gesso por seis meses. Agora, ela deve usar um dispositivo de fixação externa por cerca de três meses para manter a correção do pé torto e auxiliar na recuperação pós-cirúrgica.
“Depois de retirar o aparelho, usaremos uma órtese [dispositivo para manter uma parte do corpo em uma posição específica] para continuar o tratamento do pé torto. Ela poderá andar após a remoção do fixador externo. A associação do pé espelho com a deformidade do pé torto congênito é muito rara e nada semelhante é encontrado na literatura médica”, disse.
O cirurgião disse ainda que o caso de Vitória é tão raro que deve ser feita uma publicação científica para que os médicos da área ortopédica e pediátrica tenham maior conhecimento sobre microcirurgia, alongamento e reconstrução óssea. A pesquisa só terá início se a mãe do bebê autorizar.
“Sempre fomos cautelosos, desde o início. Um termo de consentimento cirúrgico informando sobre os riscos foi assinado pela mãe. A cirurgia só foi realizada após longo período de estudos e após tratamento das deformidades do pé torto congênito, por meio de trocas gessadas semanais. A cirurgia evoluiu bem, sem complicações”, disse ela.
Em entrevista ao g1, a mãe do bebê, Priscila Costa de Jesus, disse estar muito feliz e realizada com a cirurgia, pois agora sua filha terá a oportunidade de caminhar e ter melhor qualidade de vida.
“Nunca estive tão feliz, foi muita luta para ela fazer a cirurgia. Será uma nova vida para mim e para ela. O pé foi o único problema que Vitória teve. Espero vê-la correndo pela casa em breve”, destacou.
A cirurgia foi realizada na Santa Casa, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com encaminhamento do Centro de Reabilitação Integral Dom Aquino Corrêa (Cridac). Além do médico Miguel, participaram do procedimento: o especialista em microcirurgia e cirurgião de mão, Cássio Cocate, o cirurgião vascular Luiz Betonti e o anestesista da equipe da Santa Casa, dr. Cristiane Nascimento.
Raridade no mundo
O pediatra e geneticista Marcial Francis Galera disse que a situação é tão rara que afeta apenas uma em cada dois milhões de pessoas nascidas vivas.
Até o momento, antes da cirurgia de Vitória, não havia relatos de pé semelhante ao do bebê, segundo o responsável pelo procedimento. Na plataforma de artigos científicos, ScienceDirect, mostra que existem apenas 118 casos de pé espelho em todo o mundo, mas sem associação com pé torto congênito.
“Não encontramos nenhum relato de pé semelhante na literatura mundial. Na literatura pesquisada não há associação entre pé torto congênito e pé espelho. Existem descrições científicas de pé-espelho, mas nenhuma associação com pé torto”, explicou.
Pela raridade do caso e pelo inédito da situação, esta foi a primeira cirurgia realizada no Brasil para amputar os dedos extras com os quais a menina nasceu. Vitória nasceu com oito dedos no pé esquerdo.
Lembre-se do caso
Há sete meses, a mãe de Vitória, Priscila, começou a procurar tratamento para tratar a deficiência no pé da filha. Na época, ela morava em Rondonópolis, a 218 km de Cuiabá, mas mudou-se para a capital paulista para conseguir atendimento médico para o bebê.
Segundo Priscila, a menina precisou de uma cirurgia porque não conseguia andar ou ficar em pé por muito tempo devido às dores.
Na entrevista, ele informou sobre a importância de a criança ser submetida à cirurgia de amputação o mais rápido possível para reposicionamento das estruturas. “A cirurgia é feita justamente para corrigir os passos dessa menina e melhorar sua qualidade de vida.”
O tratamento começou em outubro, quando a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MT) disponibilizou uma consulta com um médico especialista para entender melhor o estado do bebê, no Cridac.
Pé no espelho
O pé espelhado é uma condição ortopédica congênita que afeta a posição e a estrutura do pé de uma pessoa. Essa condição é caracterizada por uma inversão do pé, onde os dedos ficam direcionados para trás enquanto o calcanhar está elevado, criando uma aparência semelhante à de um pé refletido em um espelho.
Esta anomalia ocorre durante o desenvolvimento fetal, quando os ossos, articulações, músculos e ligamentos do pé não se formam adequadamente, resultando numa posição anormal do pé. O pé espelho geralmente é diagnosticado no nascimento ou logo após devido à aparência distinta do pé.
O tratamento do pé espelho geralmente envolve uma abordagem multidisciplinar, com envolvimento de ortopedistas pediátricos, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde. Dependendo da gravidade da doença, o tratamento pode incluir o uso de talas ou órteses para corrigir a posição do pé, fisioterapia para fortalecer os músculos e melhorar a mobilidade ou cirurgia para corrigir anomalias estruturais mais graves.
Pé torto congênito
O pé torto congênito é uma condição ortopédica que afeta o desenvolvimento dos pés do bebê no útero. É uma condição relativamente comum, ocorrendo em cerca de um em cada mil nascimentos, segundo especialistas.
Esta condição é caracterizada por uma deformidade dos pés em que ficam voltados para dentro e para baixo, em posição anormal. Em casos mais graves, o pé pode parecer virado para dentro e para baixo num ângulo severo, dando a impressão de que o bebê nasceu com os pés voltados para trás.
Fonte – G1
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